domingo, 28 de agosto de 2011

O cérebro crédulo: Por que a ciência é a única saída da armadilha do realismo dependente de crenças


Autor: Michael Shermer
Traduzido por: Camilo Gomes Jr.
Texto original em inglês publicado em: The Work of Michael Shermer

Temos cérebros propensos à credulidade acrítica.

O PRESIDENTE OBAMA NASCEU MESMO NO HAVAÍ? Eu acho essa pergunta tão absurda — para não dizer que é possivelmente racista em sua motivação — que, quando me deparo com “birthers“1 que não pensam como eu, acho difícil até mesmo me concentrar em seus argumentos sobre a diferença entre uma certidão de nascimento e um atestado de nascimento com vida. Isto porque, uma vez que formei uma opinião sobre o assunto, ela se tornou uma crença, sujeita a inúmeros vieses cognitivos que assegurem sua verossimilhança. Será que estou sendo irracional? É possível. Na verdade, é assim que a maioria dos sistemas de crença funciona para a maioria de nós na maior parte do tempo.

Formamos nossas crenças por várias razões subjetivas, emocionais e psicológicas no contexto de ambientes criados pela família, por amigos, colegas, pela cultura e pela sociedade como um todo. Após formarmos nossas crenças, nós então as defendemos, justificamos e racionalizamos com inúmeras razões intelectuais, argumentos convincentes e explicações racionais. As crenças vêm primeiro; as explicações para as crenças vêm depois. Em meu novo livro, The Believing Brain [O Cérebro Crédulo] (Holt, 2011), chamo esse processo em que nossas percepções sobre a realidade dependem das crenças que mantemos a respeito dela de realismo dependente de crenças. A realidade existe independentemente das mentes humanas, mas o entendimento que temos dela depende das crenças que mantemos num dado momento.

Eu tomei como exemplo para o realismo dependente de crenças o realismo dependente de modelos (ou modelo-dependente) apresentado pelos físicos Stephen Hawking e Leonard Mlodinow em seu livro The Grand Design [O Grande Projeto] (Bantam Books, 2011). Nele, os dois afirmam que, como nenhum modelo sozinho é adequado para explicar a realidade, “não se pode dizer que um é mais real do que o outro”. Quando se unem tais modelos a teorias, eles constituem completas visões de mundo.

Uma vez que formamos crenças e nos comprometemos com elas, passamos a mantê-las e a reforçá-las através de diversos vieses cognitivos poderosos que distorcem nossos perceptos de modo a se ajustarem a conceitos relativos a crenças nossas. Entre eles estão:

O VIÉS DA ANCORAGEM: apegar-se demais a uma âncora de referência ou elemento de informação (como, p. ex., um dado detalhe ou uma primeira impressão) na hora de tomar decisões.

O VIÉS DA AUTORIDADE: valorizar a opinião de uma autoridade, sobretudo na avaliação de algo de que temos pouco conhecimento.

O VIÉS DE CRENÇA: avaliar a força de um argumento com base na credibilidade de sua conclusão.

O VIÉS DE CONFIRMAÇÃO: buscar encontrar evidências confirmativas que deem sustentação a crenças já existentes, ignorando ou reinterpretando evidências refutatórias.

Acima de todos esses vieses, há o viés intragrupo, pelo qual atribuímos mais valor às crenças daqueles que percebemos como membros de nosso próprio grupo e menos valor ao que acreditam os que pertencem a outros grupos. Isso é resultado de nossos cérebros tribais evoluídos, que nos levam não só a fazer tal juízo de valor a respeito de crenças alheias, mas também a demonizá-las e desprezá-las como absurdas ou malignas, ou ambas as coisas.

O realismo dependente de crenças é aprofundado ainda mais por um metaviés chamado viés do ponto cego, isto é, a tendência a reconhecermos o poder de vieses cognitivos em outras pessoas, mas sermos cego para as influências destes sobre nossas próprias crenças.

Nem mesmo cientistas estão imunes, estando sujeitos ao viés do experimentador, ou seja, a tendência de os observadores notarem, selecionarem e publicarem dados que estejam de acordo com suas expectativas quanto ao resultado do experimento, enquanto dados que as contradigam são ignorados, descartados ou não recebem crédito.

Essa dependência da crença e de seus inúmeros vieses psicológicos é o porquê de termos na ciência um maquinário autocorretivo indispensável. Há exigência de grupos de rigoroso controle duplo-cego, em que nem os sujeitos nem os experimentadores têm conhecimento das condições durante a coleta de dados. A colaboração com colegas é vital. Resultados são submetidos a exames minuciosos em conferências e em periódicos em que há revisão por pares. A pesquisa é reproduzida em outros laboratórios. Evidências refutatórias e interpretações contraditórias de dados são incluídas na análise. Se você não buscar dados e argumentos contra sua teoria, outra pessoa o fará, normalmente com imensa satisfação, em algum fórum aberto ao público. Eis por que o ceticismo é uma condição sine qua non na ciência, a única maneira com que contamos para escapar da armadilha do realismo dependente de crenças criado por nossos cérebros propensos à credulidade.

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NOTA
1 Birthers [algo como "Nascimentistas"] são os adeptos da teoria conspiratória de que Barack Obama não teria nascido em solo americano ou até mesmo de que seria realmente estrangeiro, hipóteses, ambas, que, se fossem demonstradas factuais, impediriam-no de ser presidente dos EUA, segundo determinações constitucionais.

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