segunda-feira, 23 de maio de 2011

Felipe Bertoni: Maconha: As três falácias dos proibicionistas (Luiz Nassif Online)

Por Felipe Bertoni

Em tempos de censura e violência física contra os defensores da legalização da maconha, faz-se necessário rebater reiteradamente os argumentos dos proibicionistas reproduzidos acriticamente pela mídia. A "tese" proibicionista se sustenta em três argumentos notavelmente falaciosos: Que a maconha é porta de entrada para outras drogas, que a legalização da maconha não acaba com o mercado ilegal e que a maconha faz mal.


Falácia #1: A maconha é porta de entrada para outras drogas.
Argumento simplório, utilizado à exaustão. Reproduzindo o comentário do proibicionista Marcos Susskind em debate realizado pela Folha de São Paulo: "Usuários de cocaína, de crack, de heroína e de outras drogas ilícitas, 80% deles usaram maconha antes de usar a outra droga". Ainda, o de Mina Carakushasnky, diretora da World Federation Against Drugs: "Pessoas que usam maconha não usam necessariamente outras drogas, mas todas as que usam cocaína, heroína, ecstasy, crack, começaram usando maconha".


Qual é a semelhança entre a maconha e a cocaína, ou entre a maconha e o ecstasy? São drogas (substâncias químicas que produzem alterações nos sentidos) cujo uso é predominantemente recreativo. O álcool também é considerado uma droga, e as bebidas alcoolicas são utilizadas de forma recreativa. No Brasil, 68,7% das pessoas entre 12 e 65 anos já fizeram uso de substância alcoolica, e 11,2% dos brasileiros são dependentes do alcool, de acordo com o Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). Já o consumo de maconha representa 2,6% da população (dados da ONU de 2005, defasados). A relevância desses dados para o debate é que o argumento de que 80% dos usuários de outras drogas "começaram" com a maconha é absurdo, ao constatarmos que o número de usuários de álcool é grande a ponto de inferirmos que todo usuário de drogas "começou" com o álcool. E considerando o número extremamente baixo de usuários de maconha e extremamente alto de usuários de álcool, podemos inferir que o uso de álcool não é porta de entrada para o uso de outras drogas, apesar de ser a primeira substância entorpecente da maioria dos brasileiros.

O que tornaria, então, a maconha "porta de entrada" para a utilização de outras drogas? Ora, a única coisa que todas as drogas ilícitas tem em comum e diferem do álcool é justamente a ilicitude. Se algo torna a maconha porta de entrada para outras drogas, é justamente o caráter ilícito de sua produção, venda e uso. Talvez a transposição para a busca de entorpecentes no mercado ilegal seja, por si só, a porta de entrada para o uso indiscriminado de quaisquer drogas. Essa suposição leva a crer que a legalização da produção, venda e uso da maconha tem o condão de fechar uma porta para outras drogas, não abri-la ainda mais. O absurdo do argumento é querer supor que a legalização da droga aumentaria ainda mais a "introdução" para outras substâncias ilegais, quando a única razão para seu caráter "introdutório" é justamente a sua ilegalidade.

Para finalizar o argumento, um estudo publicado em 2006 pela Universidade de Pittsburgh que acompanhou 214 jovens durante dez anos chegou à conclusão que o uso da maconha não foi fator preponderante para a utilização de outras drogas, o que é um indício importante de que a falácia utilizada não só depõe a favor da legalização, como não possui base científica sólida. É um perigoso argumento a posteriori que se utiliza da ignorância para aterrorizar a população, vendendo a maconha como o primeiro passo para uma vida massacrada pelo poder destrutivo das drogas.

Falácia #2: A legalização da maconha não acaba com o mercado ilegal da droga.
Essa falácia é utilizada para negar o maior benefício possível para a sociedade quanto à legalização. Vivemos em um país que mantém uma guerra civil permanente contra o tráfico ilícito de entorpecentes, e toda e qualquer medida que tem o condão de diminuir ou acabar com o tráfico sem que vidas precisem ser ceifadas é benvinda. Por isso a possibilidade de se diminuir o tráfico de drogas através da legalização é tão cara aos proibicionistas, pois notam a iminência da aprovação pela população, e precisam rebater e aterrorizar.

Transcrevendo novamente a síntese dos proibicionistas, agora por Ronaldo Laranjeiras, no mesmo debate da Folha: "Se você legalizar as drogas, você vai simplesmente criar dois mercados: Um mercado pararelo e um mercado legal. Porque como é que você vai conseguir produzir uma maconha mais barata do que o mercado ilegal já produz? Um cigarro de maconha custa um real. Você vai vender um cigarro de maconha por cinquenta centavos? Porque se você vender a cinco reais, o mercado ilegal vai continuar vendendo(...)"

O argumento parte do pressuposto de que se está vendendo o mesmo produto com dois preços diferentes, e que entre um e outro o consumidor optaria pelo ilegal (e barato). A verdade é que se for criado um mercado legalizado para a droga, o produto passará por controle de qualidade, o que tornará o mesmo menos nocivo e mais apto ao uso. Hoje, o mercado ilegal mistura a maconha com uma quantidade enorme de outros produtos mais perigosos do que a própria droga, como pó de vidro, outros remédios e até crack. Além do mais, a conveniência de se comprar uma droga no mercado em vez de negociar com criminosos compensaria o custo mais alto da droga para a maioria dos usuários, o que eventualmente minaria o tráfico ilícito da maconha. Não se trata de imaginar que seria o fim do tráfico de drogas, mas de uma diminuição expressiva. Há de se fazer um paralelo com o tabagismo, cujo consumo tem sido paulatinamente elitizado no Brasil através do aumento do IPI: 45% do consumo de cigarros no Brasil é oriundo do contrabando, número que soa assustador e desanimador. Mas é importante perceber que o contrabando de maços de cigarro (a maioria deles oriundo do Paraguai) não causa uma guerra civil no Brasil, apesar de ser vendido de maneira muito mais disseminada e para um número infinitamente maior de pessoas do que a maconha. Ademais, o cigarro ilegalmente introduzido no país possui qualidade similar (ainda que inferior) ao cigarro vendido legalmente, o que contrasta com a diferença colossal entre a maconha vendida ilegalmente e a maconha que poderia ser vendida legalmente, através de um controle de qualidade. Ainda, se a saúde do usuário é importante para a saúde pública do país, há que se perceber que mesmo que a legalização da maconha "simplesmente crie dois mercados", a concorrência obrigaria o tráfico a produzir uma maconha mais pura, limpa e saudável do que a atualmente vendida no mercado ilegal. De qualquer perspectiva possível, a legalização da maconha mina o tráfico ilícito e é benéfica para a saúde do usuário, além de gerar empregos e estimular a economia.

Falácia #3: Maconha faz mal à saúde.
Obviamente, o argumento de que a maconha "faz mal à saúde" não pode ser levado em consideração, a não ser que se prove que a maconha faz mal à saúde a ponto de ter a sua proibição justificada. Nesse sentido, todos os paralelos possíveis com substâncias vendidas normalmente no mercado são cabíveis, porque é a partir da proibição ou legalização de outros produtos que se cria a linha imaginária do que é prejudicial e aceitável e do que é prejudicial e inaceitável dentro de uma sociedade. O cigarro é possivelmente o maior produto prejudicial e aceitável que existe no Brasil (levando-se em consideração a disseminação do seu uso), mas recentemente a legislação brasileira tem tentado reduzir o número de fumantes através de pesados impostos e, em alguns estados, da perseguição implacável contra o fumante. Isso leva a crer que o país passa por um processo de pré-banimento ao cigarro, mesmo que não venha a acontecer. Por outro lado, o consumo de bebidas alcoolicas tem sido tão popular quanto sempre foi, apesar de mais de 10% da população brasileira ser alcoolatra, e do alcool ser o causador de 4% das mortes em nível mundial.

Nesse contexto, é perfeitamente cabível comparar maconha com o álcool e o tabaco. Segundo estudo da Beckley Foundation, de Oxford, a maconha é menos prejudicial do que o álcool e o tabaco, e a maioria dos problemas surgidos com o consumo da maconha referem-se mais necessariamente à proibição da droga do que aos malefícios da mesma. Além do mais, a maconha possui um incontável número de benefícios quando utilizada de forma medicinal, como atestado pelo uso medicinal na droga em países como E.U.A. e Canadá. É provado o papel benéfico da maconha como analgésico, no tratamento de pacientes com AIDS e câncer, no tratamento de espasmos musculares decorrentes de esclerose e outras doenças, como broncodilatador, além de outros benefícios provados ou em estudo. Obviamente que os benefícios do uso medicinal da planta servem somente para a legalização da droga para esse uso, não necessariamente para o uso recreativo. Mas é importante constatar o absurdo da proibição, que não somente nega a venda de um produto comprovadamente menos nocivo do que outros encontrados no mercado, como proíbe que o mesmo seja utilizado no tratamento de doenças!

Espero que a minha contribuição possa ajudar na luta contra o preconceito e pela legalização.

Em
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/maconha-as-tres-falacias-dos-proibicionistas#more

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