segunda-feira, 20 de junho de 2011

Luis Nassif Online: Drogas: Regulação Legal Das Drogas (por Guy Adams)

Não está funcionando. Nunca funcionou. E enquanto continuar a ser travada na sua forma atual, a “guerra às drogas” fará pouco para coibir a difusão de narcóticos ilegais ou prevenir que centenas de milhares de pessoas continuem a perder suas vidas a cada ano como resultado do comércio internacional de droga. 
É o que diz um painel de líderes mundiais, os quais exigiram ontem (02/06/2011)  mudanças que consistiriam no maior abalo de leis sobre drogas em meio século. “A guerra global às drogas falhou, com consequências devastadoras para indivíduos e sociedades ao redor do mundo,” declarou a Comissão Global sobre Políticas de Drogas. “Reformas fundamentais…são necessárias urgentemente”.
A Comissão, que conta com o ex-Secretário Geral da ONU Kofi Annan, juntamente com os ex-presidentes do Brasil, México e Colômbia como membros, acredita que os governos devem agora experimentar com uma “regulação legal de drogas”. “Essa recomendação se aplica especialmente à maconha”, diz um importante relatório publicado ontem em Nova Iorque. “Mas nós também incentivaríamos outros experimentos de descriminalização.”
O relatório sugere que o ecstasy, atualmente considerado uma substância classe A (sua posse, venda e distribuição são punidas com vigor), deveria ser reclassificado de acordo com opiniões médicas que o consideram muito menos perigoso do que drogas legais, como a nicotina e o álcool. Ele recomenda ainda que aos usuários de narcóticos deveriam ser oferecidos educação e tratamento, ao invés de encarceramento. E países que insistem em continuar a abordagem da “afirmação da lei” para crimes de droga deveriam focar recursos na derrubada traficantes de alto nível, ao invés de prender “mulas” e negociadores de rua.
Embora as recomendações sejam vistas como uma declaração do óbvio por muitos especialistas, elas vão de encontro às políticas oficiais da maioria das nações ocidentais. É provável, portanto, que a aprovação da Comissão a essas políticas seja altamente controverso. Contudo, defensores da reforma de drogas esperam que o relatório de ontem possa anunciar uma mudança na maneira como a política de drogas é debatida pela comunidade internacional.
O documento de 24 páginas observa que anos de proibição resultaram em uma contínua ascensão no número de pessoas que usam drogas regularmente, estimado pela ONU atualmente em torno de 250 milhões no mundo. O uso de ópio cresceu cerca de 35% na última década, enquanto o consumo mundial de cocaína e maconha cresceu 27 e 8.5% respectivamente.
As leis atuais deixam essa indústria crescente nas mãos de gangues criminosas, resultando em violência espiral, desde as favelas do leste da África às trilhas da América Central e Latina. No México, uma pretensa repressão do governo às gangues de droga resultou em 38.000 mortes nos últimos 4 anos e meio.
A Comissão – que conta também com Paul Volcker, o ex-presidente da Reserva Federal Estadunidense, George Shultz, o ex-secretário de Estado Estadunidense, e o Sir Richard Branson entre os seus 19 membros – diz que a ONU deveria agora liderar uma reconsideração “urgente” das políticas de drogas, baseada em evidências científicas em detrimento de conveniência política.
Citando o sucesso de políticas de drogas liberais em países como Portugal, Holanda e Austrália, ela recomenda pegar dinheiro gasto em custosas campanhas de afirmação da lei e investi-lo em programas preventivos de educação e tratamento de drogas, que, provadamente, diminuem taxa de vício e previnem problemas de saúde entre usuários.
“Evidências esmagadoras da Europa, Canadá e Austrália agora demonstram os benefícios sociais e humanos de se tratar o vício às drogas como um problema de saúde ao invés de um problema de justiça criminal,” disse o co-autor Ruth Dreifuss, o ex-presidente suíço, ontem no lançamento do relatório em Nova Iorque. “Essas políticas precisam ser adotadas em todo o mundo, com mudanças necessárias para as convenções internacionais de controle de drogas.”
A “guerra às drogas” foi declarada em 1971 pelo presidente estadunidense Richard Nixon, uma década depois que membros da ONU assinaram a “Convenção Única sobre Entorpecentes”, que estabeleceu os fundamentos das políticas mundiais atuais. Ela foi reforçada pela administração Reagan, que disse para pessoas jovens dizerem não às drogas.
Hoje, pesquisas indicam que o publico ainda apóia as leis duras atuais. Como resultado disso, Bruce Bagley, um especialista em tráfico de drogas na Universidade de Miami, disse ao “The Independent” que acredita que há “cerca de zero” por cento de chance de que as recomendações da Comissão sejam tomadas pelos EUA e outras nações importantes.
“Posto isso, essa é uma contribuição significativa de alguns indivíduos proeminentes, que formam parte de uma conversa emergente”, ele disse.

Linha do Tempo: campanha de 50 anos
1961 As Nações Unidas aprovam a Convenção Única sobre Entorpecentes, que consagra a proibição das drogas no direito interno em todo o mundo. Ela continua sendo a base para políticas globais de narcóticos.
1970 A administração Nixon funda uma expansão dos programas de metadona (utilização da metadona em programa de redução de danos nos dependentes de heroína) em Washington, realizado pelo Dr. Robert De Pont, que primeiro documentou uma ligação entre drogas e crime em 1969. Em um ano, os roubos na cidade diminuíram 41 por cento.
1971 Em janeiro, a lei de Uso Indevido de Drogas do Reino Unido é aprovada, classificando substâncias ilícitas e delineando as punições por posse de drogas ilegais. Continua a ser a base para a política de drogas no Reino Unido hoje. Cinco meses depois, o presidente Richard Nixon declara oficialmente uma “guerra às drogas” e identifica o abuso de drogas como “inimigo público n º 1″ nos EUA.
1977 Jimmy Carter defende um projeto de lei federal de descriminalização da maconha, mas acumula pouco apoio e o momentum se esvai. A lei de Uso Indevido de Drogas do Reino Unido é alterada para incluir o MDMA (ecstasy) como droga Classe A.
1982 O notório narcotraficante Pablo Escobar é eleito para o Congresso colombiano.
1984 Nancy Reagan lança sua famosa campanha anti-droga “Só Diga Não”. Até 1988, mais de 12.000 centros da “Só Diga Não” existiam no mundo.
1985 A Colômbia extradita traficantes de droga para os EUA pela primeira vez.
1986 O presidente Reagan assina o Ato de Abuso Antidrogas de 1986, que designa 1.7 bilhão de dólares (aproximadamente 2,7 bilhões reais) para continuar a lutar a “guerra às drogas” e impõe penas mínimas obrigatórias para delitos de drogas.
1989 A revista Forbes lista o traficante de drogas colombiano Pablo Escobar como o sétimo homem mais rico do mundo. O presidente George H W Bush cria o Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas. William Bennett é nomeado o primeiro “czar das drogas” dos EUA, e pretende tornar o uso indevido de droga socialmente inaceitável.
2000 O presidente colombiano Andres Pastranna Arango ganha um financiamento de 1.3 bilhão de dólares (aproximadamente 2 bilhões de reais) para combater o tráfico de drogas, diminuir a produção de cocaína através da pulverização de plantações de coca com herbicidas tóxicos, e lutar contra guerrilhas rebeldes que lucram com o comércio de droga e o protegem, sob uma campanha intitulada “Plano Colômbia”.
2002 Portugal descriminaliza a posse de todas as drogas para uso pessoal.
2004 O presidente Hamid Karzai exige uma jihad contra a indústria multibilionária de drogas do Afeganistão. A campanha custa aos contribuintes britânicos 850 milhões de libras (aproximadamente 2,2 bilhões de reais) entre 2002 e 2009. A Grã-Bretanha reclassifica a maconha como Classe C (porte da droga é considerado delito não-passível de prisão).
2009 O diplomata norte-americano Richard Holbrooke anuncia que as políticas ocidentais para erradicar as plantações de ópio do Afeganistão “têm sido um fracasso. Elas não resultaram em nenhum dano para o Talibã, mas deixaram agricultores sem trabalho”. A administração Obama substitui a retórica proibitiva da “Guerra às drogas” em favor de estratégias de prevenção e redução de danos favorecidas pela Europa.
2011 Um relatório da Comissão Global sobre Política de Drogas diz que a “guerra às drogas” global falhou. Demanda a legalização de algumas drogas e um fim à criminalização dos usuários de drogas.
Tradução de Thomás Dorigon

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